quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Para o gui

(tava tudo errado)


Rompeu (se) repentinamente um vão,

um abismo frio formou-se entre nós e temo (sempre) que eu o tenha causado. As relações são campos magnéticos onde temos espaço para expressar culminações de dentro verdades do peito; elas tem um fluxo próprio, ações espontâneas que transbordam pelos nossos olhos, pelas nossas mãos, pelas palavras que são fúteis só na aparência. Tão difícil é para mim (sempre para mim) fazer conter no ordinário cotidiano o que se constrói de eterno pelas carícias de tua presença abstrata e espaçada dificultada, reconheço, por minha falta sempre tão física É verdade que nem sempre nos observamos ocultamos o ato sublimamos a palavra e acabamos por silenciar o amor E de que adianta o mais nobre sentimento quando não em mútua radiação? Receio a concretização do estranhamento da falta de reconhecimento dos traços amigáveis da intradução dos olhos que eu mesma causei mas que tanto difere do meu peito E isso não é qualquer retaliação não há culpa e nem ressentimento e nem há nenhuma concepção de resgate porque somos, de certa forma, o que experienciamos, o que construímos e o que aprendemos. Mas eu só queria dizer com toda a dificuldade que há de me ensinar a amar só queria contatar o possível fluxo de contato que foi perdido a ausência do lirismo que me coube mas que sempre houve de um certo jeito específico, dentro de mim; uma poesia de fio infinito aprendiz de tua sabedoria que tanto transborda sanguíneo amor humano e divino.

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Todo terra

Parecia que falávamos línguas distintas. Você, absorto em toda a segurança de sua vida; tranquilo na maturidade de suas conquistas. Cada palavra que você fazia soar tinha tanta exatidão e ecoava tão objetivamente que era como se todo o som que saía da sua sua boca se reverberasse já como verdade, e não como perspectiva. Me limitava a rir de medo. Eu, um poço de inseguranças e indecisões, de receios e hesitações, era uma folha em branco que a cada segundo especulava com muita gagueira o jogral de cores a ser impresso definitivamente em mim mesmo. Enquanto isso, eu tinha um comportamento extravagante e fútil, mas adorável e ingênuo, daqueles que só cabem a jovens medrosos. O soar dos meus questionamentos bobos aos seus olhos se perdiam na sua estrutura sólida; você parecia todo terra, todo segurança. Eu quase não te via poesia e tinha um medo profundo e risível de ser ridícula, porque por mais que eu não te achasse ideal, era o que eu almejava. Eu me projetava no que você era, como um irmão mais novo se vê no mais velho. Esse seu ser tão adulto, certo de si. Eu queria ser assim, me estabelecer de alguma forma. Nem que fosse emocionalmente. Nem que eu não fosse tão estabelecida, nem que fosse só a imagem de pessoa segura. Eu não sabia aonde, eu não sabia o por que, eu não sabia como, eu não sabia quem eu era, eu não sabia o que eu era, não sabia o que eu queria ser, não sabia o que eu tinha almoçado, mas eu queria ser independente e arranjar um caminho para todas essas coisas. Eu não queria as respostas e achava um pouco amarga toda essa sua seriedade. Era tudo tão certo. Tão adulto. Acho que a juventude se caracteriza por essa dúvida latente rasgada no peito. E é provável que você a tivesse, mas a escondesse muito bem e não deixava que ela controlasse sua vida. Todos os adultos, quero dizer, pessoas que agem como adultos, são atravessados por dúvidas agonizantes. Mas o que as torna adultas são a capacidade de tomar as rédeas da situação, escondê-las e conduzir a vida como quem já se esqueceu.

terça-feira, 28 de julho de 2015

O gelo

Eu buscava o gozo do teu amor nos tempos errados
na cor desbotada de uma brincadeira falha
pernas abertas e meias rasgadas;

Mas teu fôlego ritmou meu peito,
o olhar denso e vazio,
e agora meu ventre trêmulo receia o pranto.

A memória vem gota a gota
de um quarto desértico noturno;
o farol, a tua pele,
transpirava ébria.

Eu surda do teu silêncio
me enrubesço por ter sido ensinada
a brincar
do jogo que eu mesma propus.
Engulo teu tempo - um remédio amargo
como séria, como adulta,
como gelo
na espera dos seus lábios
para ser desfeita.

domingo, 5 de abril de 2015

Fenda

Uma abertura nos teus opacos olhos:
por tanto tempo os meus a procuraram
por pouco tempo atrás dela se vidraram
de um ângulo agudo 
descuidadosamente esquecido em aberto.

Fenda por onde observo
abstrações humanas discretas
com os olhos semi cerrados
da doce dificuldade
de reconhecer-te sensível e frágil.

Enxergarei tua abertura rara com a língua, 
tua geometria oculta com os lábios
tua introspecção misteriosa com o interno tato.

Apenas pouparei os olhos;
enquanto me olhas com a certeza infinita da dúvida, 
manter-te-ei intacto.

quarta-feira, 4 de março de 2015

água besta

Nós somos um pouco como água.
Nos adequamos aos espaços
lugares
circustâncias
E é como se nos transformássemos o material
Nos renovamos através da estrada:
novas substâncias
novos elementos.

Por resistência, talvez, para os políticos;
por aprendizado, para os sábios;
sobrevivência, para os céticos.

Somos fluidos,
acabamos por ser
e podemos ter quaisquer formas e histórias
dilemas
tragédias
paixões
sentimentos e alegria.

Somos água também 
por não sermos objeto de reclusão;
somos destinados à correnteza
liberdade
aos mínimos detalhes da eterna mutação:
chuva
lágrimas
orvalho
onda que move a areia
e dentro do solo da terra.

Novos
novos somos
novos sentimentos
novas frustrações
novas alegrias
novos
novos
fortes
e fluidos
fortes e leves
fortes e tenros
fortes e ternos
somos água
de força desde a gota.

sábado, 31 de janeiro de 2015

marimã

Me beija! Sua estúpida,
Será que não reparas
em quanto somos ridículas
lutando sobrepostas
rasgando seda por nós próprias?

Me olha!
Força-me os pulsos
os braços
esses tão iguais aos teus
fortes por resistência
frágeis por cultura.
À face e aos olhos
beija-me ou acaricia
lembra-te de que fomos instruídas
à mesma covarde maneira.

Despe-te e te sente livre,
reflexo meu.
Por que nutrimos o pré desentendimento
pela rechonchuda veia da ignorância?
Não esquece que me conheces!
Não finjas que não sabes que sou igual a ti.

Até o teu olhar perdido
vazio, de solidão
compõe meu peito.
E meus sorrisos frouxos
compõe os teus cabelos,
teus dedos e cotovelos.

Guarda tuas falas doces para mim,
que sou tua irmã,
que piso nas mesmas terras que ti.
Não temos a mesma história,
mas compartilhamos a mesma vil estrada.
Lembra-te disso,
meu amor.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Teto Preto

Caiu o tempo
Desfez-se ele
Escorreu lamurioso pela face
pelos picos, vivos precipícios
A orelha
A ponta do nariz
O queixo
dos cílios pingaram as gotas
(mas não lágirmas: instantes)
e na boca permaneceu algum
tenro gosto,
vulgarmente: a saudade

Trovões que soam só dentro do corpo
e os ouvidos não captam;
Listas claras de instantes
no céu escuro dos olhos cerrados:
era o tempo que bradava
ter passado
E o coração nem se toca.

O coração nem se toca e nem sofre
fica lá estirado
dormindo
esquecido de viver
E o tempo-chuva,
respingando pelo corpo,
sendo gasto.
todas as gotas 
acabadas no chão,
agora inválidas.

Mas o tato não está vivo
e o úmido não desperta.

O molhado.

É de noite, e a vida adormece.
A minha vida dorme.