Creio que sempre existira um texto em potencial, calado, adormecido
pelos sentimentos egocêntricos e também pelos nobres sentimentos essencialmente
humanos, por mais que negativos, como o medo. O orgulho, a obsessão, a raiva e
a vaidade sempre serão as constantes irracionais e vergonhosas, por serem
possíveis de reparo à menor reflexão. O medo, por sua vez, não. O medo detém
uma beleza sutil e fluida, magistralmente introdutória das novas aventuras
únicas, estonteantes, tão pessoais e importantes na vida de cada indivíduo. Faz
fluir o princípio da atitude através da coragem, e torna a vida mais sensível
ao pulsar do peito: inevitável adrenalina que corrompe nossa paz tão prazerosamente.
Acompanha os corações, há tão pouco tempo ingênuos e inocentes – oh, coitados! –,
às experiências mais incríveis da vida.
Pois
bem; este texto está se fazendo, não por sua autora estar em estado de mania,
deleitosamente inspirada pelas musas; mas por perceber com demasiada clareza e
alguma reflexão o fluxo dos acontecimentos, como em um ritual apolíneo. Não
existe o estado patológico do amante inebriado da ilusão; não existe o pathos
alterando completamente as funções dos meus sentidos, tornando-os unicamente
emocionais. Existem meus sentidos como os são, existe o silêncio alegre e
delicadamente atento da manhã.
Foi
sempre o ego o real podador da minha liberdade; liberdade para experimentar,
para permitir, para amar. E a sinceridade, real descobridora de novos caminhos
de verdade e manifestação da liberdade, só poderia ser extremamente libertadora. Todos
nossos receios e fobias impostos pelas nossas próprias inseguranças nos fazem
impedir nossa própria liberdade e a alheia. Progressivamente, a segurança se
estrutura em prol da experimentação da gama de diversidades da vida, e essas
experiências só dão mais base à mesma, numa retroalimentação positiva.
Amar
pode ser um exercício muito intenso, mesmo que simples; muito sutil, mesmo que
grandioso. Existe um amor em potencial que quando desprendido das amarras
morais, convencionais e egocêntricas, se manifesta na mais tranquila
felicidade. É um amor puro como a água nascente, no qual surge e toma o espaço
que tem o dever de tomar; o espaço anteriormente ocupado pelos nossos medos existências,
medos das instituições. Flexível como a água, toma a forma que quer... Escapa
pelos dedos de um só indivíduo para se espalhar em gotículas pela terra, folha,
pele, mundo. Transforma-se em tudo e não carece de nomeações, nomeações essas
que carregam em si toda essa carga e peso cultural. Água livre que existe: não
se cria, não se perde, se transforma a todo instante.
Ensinaste-me
a dar a água o espaço que possui, que deve ser todo. A cada instante que me
renovo descubro caminhos para deixá-la ser como se é. Deixar que a água corra é
não enclausurar o amor e o coração na cela abafada do ego.