terça-feira, 27 de novembro de 2012

A luz do dia que ilumina em volta

             Eu não sei em que momento eu refleti e decidi que gostaria... Meus artelhos apenas se contraíram um pouco menos do que o normal quando se depararam com a enorme e monumental porta de possibilidades que dependia da minha mão para ser aberta. Por não existirem tantas dúvidas e tantas borboletas no estômago, minha mente pôde tranquilizar-se e não se ocupou em relutar por elas.
             Apenas os dedos do pé retorceram-se, e as decisões foram tomadas com tamanha espontaneidade, para alguém tão cheia de labirintos internos, que o desenrolar dos fatos pareciam bolhas de sabão, excluindo todo o sentido de responsabilidade dessas sensações novas. A verdade é que não existiam fatos, tão pouco aqueles antiquados e comuns pensamentos niilistas do que tudo aquilo poderia ser. Não haviam definições, a dinâmica dos acontecimentos e sensações era como a brisa: amoral, envolvente, gelada, refrescante e fluidamente sorridente. Era a brisa, que passava porque queria. Era brisa porque era.
             A impessoalidade, a falta de emoções dramaticamente humanas, o ego conveniente e positivamente disfarçados nas poucas afeições tornavam os gestos dotados de uma sinceridade límpida e cristalina. A ausência da paixão dava às intenções a forma física e terrestre, tão verdadeira para ser sentida não só no corpo, como também no peito. Os sorrisos eram honestos, eram a intenção de ser feliz sendo único, alegre pelo desapego e pelo entendimento. Nós só queríamos sorrir.
             Dentre aquele antigo quadro escabroso onde se encontrava seu coração, vislumbrava, pela primeira vez, a manifestação da felicidade na forma sucinta de vida. Não era de maneira alguma rasa ou superficial, subjugada; era a opção pela ingenuidade sábia, a prova da consciência da ignorância e de seu papel de aprendiz, que é feliz a partir da falta de muitas ações. É feliz a partir do apenas ser.
             Saíra do porão úmido e escuro onde suas dúvidas tomavam formas gigantescas e pareciam lhe engolir, onde suas fraquezas iniciadas da ignorância serviam de algemas a seus pés. Sua única atividade naquele lugar era pensar em quão horrível era estar lá, e que talvez nunca pudesse sair. Pertenceria ela ao lugar? Enlouqueceria lá? Gritaria até morrer? Ou se conformaria com o seu destino?
             Os artelhos contraídos demonstravam vestígios de uma política antiga do receio, do bloqueio, do medo, do esconderijo. Mas essa ação dos dedinhos foi tão sutil que não houve grande diferença quanto a ela, e saiu desse mesmo corpo uma sensação boa de querer experimentar, arriscar.
             Todo esse período enclausurada, usufruindo sem piedade da mente, da razão e do ceticismo fora-lhe, no final, de muita utilidade. Quando se permitiu deixar tudo de lado e parar para o nada, para ser, para respirar, notou que logo a frente, do lado de fora da sua mente, havia a chave daquelas correntes. Saiu de lá, finalmente! Mas que maldito tempo em que estive presa... Mas será? Nunca avaliaria tão bem a felicidade natural e inexplicada (ou melhor, nunca a sentiria tão bem), nunca seria tão sensível. Nunca optaria pela ingenuidade sábia, enquanto a ingenuidade ilusória, através da falta de discernimento, lhe seria imposta.
             E agora ela fechava os olhos e sorria.