segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

O resto

Nós crescemos e temos filhos para isso; para os vestirmos com vestidos lindos quando são crianças e eles viverem a humanização da beleza diante de nós; o frescor da inocência, a alegria desmedida da não consciência, para depois eles crescerem e verem seus próprios vestidos antigos, meio tortos, perdurados no varal, num último resgate de prazer da sua mãe dessa lembrança da juventude colorida, pingando na sombra da tarde com algumas várias manchas amarelas de mofo. "Não lembro em que vida vivi nesse vestido, nesses vestidos tão coloridos" os filhos hão de falar em uma roupa majoritariamente escura, ou pelo menos foi meu caso, e flores vermelhas estampadas. E eu pensei que a vida é isso, ter um filho pra resgatar a beleza da vida, porque no momento em que minha mãe me mostrou os meus vestidos eu estava amarga dos enganos que a gente tem na vida, e ela tão feliz em me lembrar metade de mim vestida naquilo, mesmo comigo materializada e amarga, tão destacada em frente a ela, na cara dela. E eu pensei "talvez seja isso mesmo, o ciclo de fazer novas pequenas gentes que devem ficar rodopiando sob o sol num vestido colorido pra mostrar que alegria é uma ideia, e ela existe. O resto é resto; não é beleza."