domingo, 21 de janeiro de 2018

Fobia

Ele disse que, uma vez, sabia que faziam suco de maracujá dentro de casa antes de passar pela porta. Explicando que tinha um bom olfato. Eu não sei por quê essas coisas surgem de repente, essas lembranças aleatórias. Um cheiro de maracujá. Eu também não sei o que os olhos dele significam. A imagem, eu quero dizer. A imagem dos olhos. Do seu rosto. Quando surge, agora, é estranho, quase esqueço de como é. A imagem dele. Surge. Como um espectro. Tenho um pouco de medo, eu me sinto vigiada. Vigiada por uma presença que não existe. Como pode ele ocupar um espaço enorme aqui no agora só através da minha cabeça? Aqui? Não me conformo que ele mobilize meu presente, esses instantes, em que ele não se encontra fisicamente, só através dos meus pensamentos. É um fantasma. Não é mente, na verdade; é corpo.  Eu me sinto ocupada por alguém e ele vivencia meu corpo, agora. Ocupa dois lugares, existe materialmente em dois pontos: onde quer que ele esteja, que, sinceramente, não me interessa, e aqui, onde habito. Ele está aqui. Habita em mim. Existe em mim. Ocupa, junto comigo, todo o silêncio dessa madrugada.
 Antes de começar a falar, você vê, essa ideia me perturbava e eu gostaria de arrancar essa sensação perturbadora e lançá-la o mais longe que eu pudesse, apagar minha memória pra extinguir esse desconforto de dividir meu corpo, minha mente, minha existência com outro ser humano, preservar minha individualidade egoica intocada, minhas fronteiras seguras, torná-las o mais seguras e inatingíveis possíveis. Mas agora eu me sinto um pouco melhor. Admitindo que ainda sou eu. O outro em mim. O outro em mim ainda sou eu, as impressões de sua existência no meu espírito. Esse outro que habita em mim, agora, que existe através de mim, não é nada além da minha própria existência. Tudo que existe é a forma como sinto o mundo. Tudo que existe é a presença das coisas em mim. Sensorial e emocionalmente. Tudo além de mim não é nada. Eu soo patética com tantas repetições e tamanho didatismo, eu sei. Mas as vezes ser prolixo nos ajuda. A entender. Melhor, talvez. O que pensamos, sabe. Ou o que sentimos. O maracujá. Ele existia desde os últimos degraus, os últimos passos na escada. Que imbecilidade eu tô dizendo. Esquece isso.

quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

Rapidez

Temo que, com os dias,
tranformes a imagem
que de mim criastes
Nas ranhuras discretas
Das minhas perturbações.

Temo que teus desejos
em tão pouco tempo sejam desfeitos
Por uma ansiedade que soluça
Juvenil e estúpida.

Temo mesmo conhecendo
a inutilidade do medo
Diante do risco dos encontros:
Não há receio que valha
A nefasta travessia do contato
visto perfeito e manso
E sustentado torto
Premeditando um naufrágio.

Cansada da resistência
Para proteger uma pele
inutilmente intacta
Hei de me jogar ao mar
E me ver boiar
Na beleza da entrega.