Eu vejo você surgir
brilhante dessa chuva
A pele pegajosa de
água divina e suor
transpirando cansaço
Vejo você emergir de
baixo
Uma camiseta comum e
uma bermuda comum
Roupas típicas de
calor de um dia quente comum
Eu vejo você surgir
entre as luzes artificiais
Filtradas pelas janelas
molhadas do 434
e fragmentadas
pelos pingos aleatórios e inconvenientes
pelos pingos aleatórios e inconvenientes
da chuva
(que tanto
esperávamos
Mas que detestamos
Em uma segunda feira
à noite)
E que estão por todo
lugar
importunando a vida
Daquelas pessoas
cansadas
Eu vejo você subir
um pouco ofegante
Um pouco afoito
Os óculos um pouco
baixos
(Como que caíram
pela pressa)
O cenho um pouco,
mas muito pouco, franzido
(Como quem tem que
prestar atenção em muitas coisas)
As lentes, que mais
te impedem de enxergar,
Deviam formar um
caleidoscópio das cores noturnas urbanas
Pela mescla da
sujeira e das gotículas de chuva
(Ah,
I-ne-vi-táveis!)
Que você tanto odeia
Mas eu vejo calmo o
seu semblante
Sempre calmo e claro
Surgir no final do
meu dia
Em meio àquele calor
De 29 de
fevereiro
(De ano bissexto)
Você segura no cano
amarelo e sujo
Do ônibus sujo e
quente
(pro qual o Eduardo
Paes ainda não providenciou ar-condicionado)
Pra não sair voando
Com a arrancada do
motorista
Eu vejo você tomar
fôlego
E conquistar a calma
de conseguir a vitória de pegar um ônibus
Em um dia chuvoso de
uma cidade mal planejada
E era tudo o que eu
queria
A sua aparição
naquele maldito 434
Sujo e quente
Nas 19 horas de uma
segunda-feira
De um Rio de
Janeiro que agora era um rio imundo e
cinza
Causado pelas chuvas
torrenciais
de um verão póstumo
É fútil, diante da
vida daquelas pessoas,
Mas eis minha
confissão:
Eu só queria
presenciar sua reação
Ao me ver ali
sentada e suada
Contemplando a sua
chegada
(Eu só queria ver o
papo aranha que você ia inventar
Já que foi você o
cretino
Que me deu um pé na
bunda)
Mas com aquela
arrancada do motorista
O ônibus voltou a
andar
Passamos, eu e ele
(E todas as pessoas
cansadas e desconhecidas)
O seu ponto
Passamos a sua rua
Passamos a
possibilidade de te encontrar acidentalmente
E, bem...
O que mais eu posso
escrever agora?
Vou ter que esperar
a próxima volta para casa
(ou o próximo amor
não correspondido
Que more perto das
redondezas)
No 434