segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Poesia Sincera

Eu vejo você surgir brilhante dessa chuva
A pele pegajosa de água divina e suor
transpirando cansaço

Vejo você emergir de baixo
Uma camiseta comum e uma bermuda comum
Roupas típicas de calor de um dia quente comum

Eu vejo você surgir entre as luzes artificiais
Filtradas pelas janelas molhadas do 434
e fragmentadas
pelos pingos aleatórios e inconvenientes
da chuva
(que tanto esperávamos
Mas que detestamos
Em uma segunda feira à noite)
E que estão por todo lugar
 importunando a vida
Daquelas pessoas cansadas

Eu vejo você subir um pouco ofegante
Um pouco afoito
Os óculos um pouco baixos
(Como que caíram pela pressa)
O cenho um pouco, mas muito pouco, franzido
(Como quem tem que prestar atenção em muitas coisas)

As lentes, que mais te impedem de enxergar,
Deviam formar um caleidoscópio das cores noturnas urbanas
Pela mescla da sujeira e das gotículas de chuva
(Ah, I-ne-vi-táveis!)
Que você tanto odeia

Mas eu vejo calmo o seu semblante
Sempre calmo e claro
Surgir no final do meu dia
Em meio àquele calor
De 29 de fevereiro
(De ano bissexto)

Você segura no cano amarelo e sujo
Do ônibus sujo e quente
(pro qual o Eduardo Paes ainda não providenciou ar-condicionado)
Pra não sair voando
Com a arrancada do motorista

Eu vejo você tomar fôlego
E conquistar a calma de conseguir a vitória de pegar um ônibus
Em um dia chuvoso de uma cidade mal planejada

E era tudo o que eu queria
A sua aparição naquele maldito 434
Sujo e quente
Nas 19 horas de uma segunda-feira
De um Rio de Janeiro  que agora era um rio imundo e cinza
Causado pelas chuvas torrenciais
de um verão póstumo

É fútil, diante da vida daquelas pessoas,
Mas eis minha confissão:
Eu só queria presenciar sua reação
Ao me ver ali sentada e suada
Contemplando a sua chegada

(Eu só queria ver o papo aranha que você ia inventar
Já que foi você o cretino
Que me deu um pé na bunda)

Mas com aquela arrancada do motorista
O ônibus voltou a andar
Passamos, eu e ele
(E todas as pessoas cansadas e desconhecidas)
O seu ponto
Passamos a sua rua
Passamos a possibilidade de te encontrar acidentalmente

E, bem...
O que mais eu posso escrever agora?
Vou ter que esperar a próxima volta para casa
(ou o próximo amor não correspondido
Que more perto das redondezas)

No 434