segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

dor de leite

Vais ficar aí, olhando-me
ao longe?
Só porque reconhece em mim
alguma fragilidade.

Pois quando levanto
e estrangulo teu peito
com olhar apertado e sereno
finge-se de estranho
veste-se de preto.

Um espectro
que toda a vida
se justifica
pelas zombarias aos meus olhos
perdidos inquietos
pelas carícias tão leves
sedutoras como brisa

Quando sou tirana
e te arranco os olhos
para dele brotarem lágrimas
abraca a si mesmo
com pálpebras;
nem palpitas

és sopro
de amor
que bem me abraca
que mal suspiro
e já me deixas
no ponto cego
espaco noturno

és noite
que bem me acostumo
com os olhos atentamente vendados
mal despe-se da escuridão sorumbática
apresenta-se luz
nu

um amanhecer tão simpático
de sorriso cru
e de corpo extenso e alvo
eterno
deserto

Eu que lamento
te puxo pelos cabelos
aos prantos
sem logística
esperando veemência
nutrindo teus passatempos

E teus sorrisos
sabor dor
com tudo isto
fazem-me masoquista

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

tentativa

em processo

Te descobri ao longe,
eras apenas uma imagem:
docilmente plantado na terra móvel,
terra volátil,
terra tão inconstante que, por final,
tinha solo infrutífero.

Nada mais poderia germinar daquele cenário.

Eras tu,
era eu,
era imensidão árida
cuidada pelo ar seco
tocada,
torrada pelo sol que mantinha a vida
de coisas já vivas.

Minha realidade era tranquila
por crer dominar todas as existências,
pela clareza que me era dada pelo lumiar solar.

Por estares distante de mim
era apenas imagem agradabilíssima
intocável
indefesa
que compunha magistralmente a paisagem atemporal
e indiferentemente bela.

Mas no meu corpo que era só olhos,
meu coracão foi ganhando espaco,
e latejando num compasso intenso
descongelou a ampulheta da minha consciência.

Cada grão de instante
experiência emotiva e sensorial
fluxo de acontecimentos interiores
num piscar de olhos,
de uma âmbula para a outra,
matando progressivamente o futuro,
transformando-o inevitavelmente em passado
extinguindo o fôlego.

Haveria o tempo que passou me diminuído?
Ou foste tu?
que me escapou dos olhos
e tão rapidamente eras enorme,
mas tão enorme
que cada traco teu
era carinhosamente ameacador
e toda tua grandeza
exalava uma hostilidade eternamente amável

Limitava-me a contemplar:
perdia-me em êxtase
na densidade extensa,
na intensidade palpável
da tua figura divina.

Não foste tu que crescestes!
mas o tempo que passara
eu, hipnotizada,
vinha a teu encontro
e quando dei-me por mim
estávamos a um centímetro do tato.

e tu eras toda a minha paisagem
e eu não era nada

Permanecestes imóvel
mas, telepaticamente,
dizia-me com furor:

decifra-me ou devoro-te.

Como decifrar um corpo incorruptível
que mesmo sob o sol mais escaldante
permanece estático,
com olhar petrificado?

Como decifrar um corpo sem reacão,
sem a mais ínfima maleabilidade
perante meus suspiros de admiracão?

Não eras tu que me devoravas
com o inacesso de tua essência;
mas era eu mesma que me desfazia
que agonizava o teu silêncio
tua pose fria diante do deserto do meu peito...

Finalmente, esfinge,
talvez não sintas nada
talvez só fosses pedra
talvez só sejas totem
diante da radiacão do meu amor.

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Anseio

Anseio pelo instante em poder dizer-te
eu te amo.

Anseio pelo momento
em que o êxtase estremecedor se acumulará tão intensa e expansivamente
que romperá em meu peito,
através de feixes de luz de brilho ofuscante,
o emergente sentimento radiante.

Anseio pelo momento em que eu não caiba mais em mim
e por isso precise compartilhar meu amor em ti.
Amor que me deste

Anseio pelo minuto em que te revelarei
que aquele instante fez valer-me a existência.

Anseio agradecer-te por me ter feito perder-me de mim -
Não que eu tenha encontrado-me em você...
tão tolos aqueles que assim creem! -
Mas por me ter mostrado outras maneiras de tatear a vida
através do meu próprio corpo.

Anseio, portanto,
que as novas formas que me mostrastes 
manifestem em mim tamanho amor e alegria
que sinta necessidade de te contar.

Te amo.