segunda-feira, 22 de abril de 2013

Magnetismos inconfundíveis

       Se estive ausente dessas páginas em branco para transformá-las, foi porque a intensidade daqueles antigos sentimentos conflituosos e melancólicos também tiveram sua ausência: estive em paz, estive feliz. Se retorno hoje com alguma ansiedade e dores no estômago (estas não se sabe se graças às coxinhas de frango) é porque uma sensação antiga  fez-se de fênix e surgiu de maneira surpreendentemente extasiante e extasiantemente surpreendente.
       Houve um daqueles magnetismos inconfundíveis mas que, de tão raros, tornam-se duvidáveis e, de tão ilogicamente instantâneos, são as evidências mais milagrosas e, por isso, ignoradas. Não poderia ser possível. Não poderia ser possível que olhando para suas mãos, seus dedos largos tornassem-se incrivelmente admiráveis e me trouxessem uma sensação de conforto pelo jeito como estavam indiferente e sutilmente repousados na janela da sala, fazendo-me experimentar um êxtase profundo e progressivo que atravessava lentamente meus sentidos e a minha atenção àquele instante de realidade. É fato que ainda não me era consciente, mas essa sensibilidade experimentada através de uma posição qualquer sua enquanto conversava coisas frívolas com os amigos, nada mais era que meu desejo e minha atração direta a sua imagem, a sua pessoa como eu a entendia, mesmo que essas ideias não passassem pela minha mente como pensamentos concretos sobre pessoas, situações, ou qualquer atividade mental que promovesse o idealismo e a idolatria.
       Talvez agora eu enxergue melhor que as justificativas para as ilusões construídas pelos amantes não se baseiem unicamente nos pensamentos platônicos que eles próprios constroem, ou nas impressões das relações que são armadas e se desenvolvem ao longo do romance. A fluidez da paixão tem início bem antes da sua auto-constatação: "eu estou apaixonada!" Antes mesmo dos primeiros sentimentos de irremediável excitação, ansiedade, insegurança e medo, são preparadas sutis condições para naquela cabeça vazia firmar-se, com raízes grossas e sedentas de energia, o organismo aparentemente irreversível da paixão.