segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Prelúdio do breve beijo de adeus

              Inútil buscar teus beijos vãos, se os olhares já evitas... Que temes? O compromisso, a responsabilidade? Não hei de negar, mesmo que conheças meu discurso de aspirante à andarilha ingênua e pouco vivida, no momento ébrio e efêmero de tuas idéias brilhantemente revoltosas, sou tua.
              Inadmissível ao meu peito é a recusa do desejo; a indiferença aparentemente simpática à redenção dos meus pulsos tão delicada. Temo, é verdade, a antecipação e o sentimento pateticamente impulsivo próprios de mim! Mas qual o impulso da paixão senão a esquizofrênica vontade que insiste na própria deleitosa realidade, ignorando quaisquer contextos? Mal te conheço, tanto admiro... Haveria uma negligência meio estúpida e ingênua tua por serem tão recorrentes relações como as minhas (e por isso me evitas)? Seriam elas as verdadeiras artistas na arte de esculpir tão leve e receptiva idealização desnecessária?
              Aceita meu amor que é fluido e leve, mesmo intenso. Prometo-te amor de marinheiro: instável e preciso.

domingo, 1 de setembro de 2013

Apolo, Janis Joplin e Michelangelo pela primeira manhã de sábado

            Será que em algum dia surgirá a consciência do amor que irradiava através dos raios fracos de luz refletidos naquele semblante?
            A completa desordem de suas madeixas que escorriam pela fronha era de tal forma encantadora, delicada e preciosa que, de maneira contraditória, chamar-se-ia de essencialmente apolínea. Uma cena dignamente apolínea por ser harmônica e ideal, destituída da costumeira embriaguez que dá margem às mais diversas ilusões.
            Era como se cada fio de cabelo tomasse, com propósito, uma posição aleatória e emaranhada, e dessas pinceladas descompromissadas de objetivos quaisquer resultasse uma tela renascentista receptivamente humana e aconchegante... Como o impressionismo que, aproximada e tecnicamente, não pensa a simetria, mas sempre faz emergir subitamente uma cena perfeita aos olhos desavisados que avistam de longe. A preciosidade e sensibilidade da cena, porém, ebuliam do estranho fato de que a perfeição só poderia existir a partir da fluidez e espontaneidade da relação de todas as coisas presentes.
            A áurea do ambiente não era reflexiva, mas calmamente consciente. A problematização filosófica e a intenção de encontrar respostas eram impraticáveis, visto que a contemplação e a conformação tomavam as rédeas das inevitáveis dúvidas vitais. Estava subentendido, através da calma, a inutilidade do sofrimento a partir das questões humanas insolúveis, confirmando-se com o vazio e nutrindo a paz de espírito.
            A falta de simetria e de organização era a evidência material dessa quase filosofia. A opção pela tranqüilidade e controle perante a ferida aberta e efêmera da existência fazia germinar e crescer com raízes fortes a rara sabedoria daquele ser pacifico. Esses hábitos de pensamento de monge tibetano miscigenados com a sua criatividade e espontaneidade eram a propulsão daquele mundo tão real e encantador. Existia a posição de aluno contemplativo em relação às milenares questões indecifráveis, e outra de artista destemido e criador quanto à vida por si só, quase irreflexiva.
            Talvez por isso não visse no olhar um canal atrativo; não sei ao certo se passava despercebido, não reconhecia a existência desse canal ou simplesmente o ignorava por não julgar ser propício àquele instante. A ausência dessa conexão atribuía àquele mundo uma profundidade incomum, diferente das previsíveis exaltações dramáticas. Não havia a emoção febril e desoladora, capaz de montar e fazer crescer exponencialmente ilusões e miragens extasiantes. Os elementos ali presentes naqueles determinados pesos, medidas, identificações e impressões não possuíam expectativas e superestima, e por isso eram tão profundos.
            A complexidade do êxtase e da sensibilidade era primordialmente simples, simplicidade essa que tornava tudo extremamente compatível e belo.