sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

Para que eu me veja

Quero ver escorrer pelos seus traços 
Além da sua beleza
O seu estômago 
Ver como reagem suas vísceras
Autônomas 
Enquanto você se comporta inconsciente
Com olhos cândidos 


Antes eu queria tudo
O seu mapa astral,
Um raio x,
E, por conveniência, o CPF para uma breve consulta no SPC.

Eu queria ver através da sua carne
Que ainda há de apodrecer pela efemeridade da matéria
Os seus ossos fracos
(Mas que com toda sua fraqueza vão continuar algumas décadas debaixo da terra)
Para testar a qualidade da sua humanidade

Antes eu queria um álbum de fotos
Não! Uma viagem pra Ásia
Melhor: eu queria uma matéria no catraca livre sobre nossa jornada.

Hm. Não há de ser nada disso.

Agora o que eu quero é mais simples, acredite:
Eu quero um espelho pendurado mais alto que a altura da minha cabeça
Para que - pra que eu veja apenas os meus olhos curiosos - eu tenha que ficar nas pontas dos pés
Ou pulando ofegante
construindo um mosaico da memória dos reflexos que de mim vejo.

Eu posso querer também
TALVEZ
algum pobre coitado
Que esteja tentando enxergar a si mesmo feito um louco
E de repente nós tentarmos estratégias de novos ângulos de relação:
Espelho-pessoa, pessoa-espelho.
E Se a poesia for permitida, quem sabe,
Não seria de serventia perguntar ao outro
"o que se vê
Diante de ti, cara pessoa
Diante da ti, a tua imagem e semelhança?

"Espelho das subjetividades:
Pessoa-pessoa."

Fica um silêncio.
O que se reflete
Individualmente
das luzes alheias?

Aí se pensa:
Para ver o outro não carece coordenada.
Só abertura e contato.

domingo, 10 de setembro de 2017

uma maldita poesia da término

Me pergunto para onde o meu amor possa ter ido
Se em todo esse tempo eu cria que andara contigo e você disse que o vira fugir
Correndo para o ponto mais distante
Até que sua imagem sumisse
E sua matéria se dissipasse

Me pergunto como pode ter escapado
E você deixado de o sentir
Se eu estive tão perto de você esse tempo todo
Os olhos fixos no seu
O contato da pele constante
Pergunto-me se não evaporou através de um suspiro
Enquanto, deitada no seu peito, acariciava o seu cabelo
Ou se fugiu por uma lágrima minha
Uma lágrima - pasme - de bocejo
Por acordar tão lenta e macia
Das tantas manhãs divididas
Em que você não sentia -
Como foi que você disse? -
Nada do meu amor
Porque ele havia, julgo eu, agora,
Escapado
Por um estúpido descuido meu.
outra maldita poesia da término


O amor, as vezes, distraído
Sem saber muito com quais pés anda
Pode tropeçar no meio fio e
Muito estupidamente
Morrer.
Assim. Sem mais nem menos.
O amor pode, na hora seguinte
Mudar de identidade
Forjar a assinatura
Sumir do mundo
E então, por mais que você o veja
Assim, fisicamente
E não acredite que é ele
Ele já não existe
Porque, querendo ou não, o amor é o que a gente vê
E o que a gente acha que é.
O amor pode trocar de ideia no mesmo dia
Trocar de meias
Trocar de senha
Trocar de CEP
E você ficar plantado
O ano inteiro
Procurando o que perdeu.
O amor pode virar padre
Virar crente
Monge
Virar ateu, até.
O amor, eu repito,
O amor pode decidir voltar do supermercado a pé sozinho
Esquecer de te avisar
E deixar você esperando no estacionamento.
É uma analogia péssima, eu sei
Mas o amor as vezes nos deixa
E só ficam um papel, uma caneta
E umas imagens cretinas
Pra nos fazer escutar.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Te ver dia

Eu quero te ver de dia
Te ver translúcido 
Ou só mesmo te ver enquanto escuto o eco esquisito da manhã
Quero saber como você reage naqueles 3 minutos 
Em que você acidentalmente faz um juízo de toda a sua vida tomando um café despretensioso
Saber se você chora
Se você ri e nem liga
Ou se desespera em segredo
Quero te ver contemplando em silêncio a beleza de algo bem simples
Como a janela de um apartamento antigo no Rio
(A janela não; a paisagem)
Quero descobrir o que a preguiça te impede de fazer 
E qual é a expressão de melancolia que ela imprime no seu rosto
Se fica desperso na cama 
As bochechas macias 
Os segundos congelados do passado
Te ver reclamar de um resfriado, talvez 
Discutir champignon na comida ou água com gás
Como sorri quando esquece da vida ao final de uma frase
Um sorriso esquecido de si, um sorriso quase que enquanto dorme
Quero conhecer a sua espontaneidade ordinária secreta
Meio rara meio impensada meio bonita
Te ver esquecer e notar minha presença dentro do quarto
Ou em algum dia da sua semana
Ser uma espectadora casual do seu drama cotidiano