segunda-feira, 9 de julho de 2018

As coisas imóveis

Tudo hoje tem um gosto levinho de luto. Um véu nublado pra enfeitar o dia, pra suavizar o contraste da luz dura. A luz permanece como um sopro, um sorriso que não tem certeza se quer se fazer. Mas tudo ainda é melancólico e calmo. As portas e janelas paradas, os prédios quietos, as cadeiras nos bares imóveis e previsíveis, como são as cadeiras. O vento que passa parece querer passar despercebido, menos pras folhas secas no chão - faz um carinho nelas, algumas dão cambalhota. Esse vislumbre de alegria alivia.
Todas as pessoas parecem ainda estar dormindo, como eu, elas parecem estar dormindo e trabalhando o sono dos dias cinzas. Subo as escadas para chegar a sua rua e dizer que hoje eu quero ficar do lado de fora. Hoje eu queria que ficássemos na rua e víssemos o dia, o cinza, as folhas mexendo, o vento escondido e as coisas imóveis. Eu subi as escadas pensando que assim que saíssemos da sua casa ia ser um dia que eu me lembraria pelo menos nos próximos vinte anos, de ver seu rosto esquecido compondo a rua esquecida. Pensei que talvez ficássemos em silêncio em alguns instantes e ia achar tudo muito bonito porque ia parecer sem querer, uma beleza acidental. Eu queria sentar no meio fio, olhar pra você, olhar pras coisas e pessoas dormidas com você e acordar. Acordar e te dizer o que eu via. Acordada junto com você.
Mas quando eu cheguei na sua casa eu quis ir ao banheiro, acabei deitando na sua cama e caí no sono. Acordei e já era noite.